Entre todos os filmes que usam a gastronomia
como tema ou fio condutor, A festa de
Babette (Babettes gæstebud,
Dinamarca, 1987), dirigido e roteirizado com genialidade por Gabriel Axel, é a
obra definitiva. No filme, a gastronomia é a personagem principal.
Em meio a uma tempestade, Babette desembarca
numa pequena aldeia na costa selvagem da Dinamarca e acaba trabalhando como
criada na casa das filhas de um devoto pastor que pregava a salvação através da
renúncia, recebendo em troca apenas um quarto para morar. Depois de catorze
anos de austeridade e tradição, ela ganha na loteria e resolve gastar todo seu
dinheiro em um festim tipicamente francês, a fim de comemorar dignamente o
centenário de nascimento do falecido pastor.
Daí em diante o filme vira pura poesia.
Coisas mágicas acontecem. Os endurecidos moradores da pequena aldeia passam a
desconfiar de tudo, passam a ter medo de comer do banquete que Babette lhes
preparara. Acham que ela é uma bruxa e o banquete, um ritual de feitiçaria, que
Babette porá suas almas a perder. No que eles estão certos. Que é feitiçaria,
isso é mesmo. Só que não do tipo que eles imaginam.
Quando o banquete é servido, a mágica
realmente acontece. Sopa de tartaruga, cailles
au sarcophage – codornas com foie gras
e trufas, sonho de qualquer gourmand, vinhos maravilhosos, a bandeja de frutas
coloridas e sensuais remetendo a sensações desconhecidas. O prazer amaciando os
sentimentos e pensamentos, as durezas e rugas do corpo sendo alisadas pelo
paladar, as máscaras caindo, os rostos endurecidos ficando bonitos pelo riso.
Terminado o banquete, já na rua, eles se dão as mãos numa grande roda e cantam,
extasiados.
Esta é a grande magia da gastronomia. A alquimia das
sensações. Comer é ser enfeitiçado, ser transportado a mundos desconhecidos.
Depois de comer, nenhuma pessoa permanece a mesma. E Babette sabia muito bem
disso...
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