quarta-feira, 3 de abril de 2013

A magia de Babette

Entre todos os filmes que usam a gastronomia como tema ou fio condutor, A festa de Babette (Babettes gæstebud, Dinamarca, 1987), dirigido e roteirizado com genialidade por Gabriel Axel, é a obra definitiva. No filme, a gastronomia é a personagem principal.
Em meio a uma tempestade, Babette desembarca numa pequena aldeia na costa selvagem da Dinamarca e acaba trabalhando como criada na casa das filhas de um devoto pastor que pregava a salvação através da renúncia, recebendo em troca apenas um quarto para morar. Depois de catorze anos de austeridade e tradição, ela ganha na loteria e resolve gastar todo seu dinheiro em um festim tipicamente francês, a fim de comemorar dignamente o centenário de nascimento do falecido pastor.
Daí em diante o filme vira pura poesia. Coisas mágicas acontecem. Os endurecidos moradores da pequena aldeia passam a desconfiar de tudo, passam a ter medo de comer do banquete que Babette lhes preparara. Acham que ela é uma bruxa e o banquete, um ritual de feitiçaria, que Babette porá suas almas a perder. No que eles estão certos. Que é feitiçaria, isso é mesmo. Só que não do tipo que eles imaginam.
Quando o banquete é servido, a mágica realmente acontece. Sopa de tartaruga, cailles au sarcophage – codornas com foie gras e trufas, sonho de qualquer gourmand, vinhos maravilhosos, a bandeja de frutas coloridas e sensuais remetendo a sensações desconhecidas. O prazer amaciando os sentimentos e pensamentos, as durezas e rugas do corpo sendo alisadas pelo paladar, as máscaras caindo, os rostos endurecidos ficando bonitos pelo riso. Terminado o banquete, já na rua, eles se dão as mãos numa grande roda e cantam, extasiados.
Esta é a grande magia da gastronomia. A alquimia das sensações. Comer é ser enfeitiçado, ser transportado a mundos desconhecidos. Depois de comer, nenhuma pessoa permanece a mesma. E Babette sabia muito bem disso...

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