Estou relendo A fisiologia do gosto, uma verdadeira certidão de nascimento da
gastronomia, publicada no início do século 19 e escrita, com muita habilidade e
bom senso, por Brillat-Savarin, um juiz francês apaixonado pelos prazeres da
mesa. Deparei-me com um capítulo denominado Influência do olfato sobre o gosto
e fiquei divagando sobre sua importância, mais que sua influência, e cheguei à
conclusão que a expressão “comer com os olhos” seria tão ou mais apropriada,
apesar de menos poética, se fosse “comer com o nariz”.
Imediatamente abri a minha biblioteca
olfativa e revivi, quase nitidamente, cheiros de vários tempos da minha vida.
Lembrei-me do cheiro das rosquinhas de nata que minha mãe fazia, que enchia a
cozinha com seu perfume quente, predizendo seu sabor. Mesmo depois que abríamos
a lata em que ficavam guardadas na prateleira da cozinha – a uma altura em que
nós, crianças, tínhamos acesso (nunca pensei, até agora, se isto era
proposital) –, o aroma que saia dela trazia uma sensação de conforto, de
segurança, de lar.
Revivi pratos e comidas de várias épocas e
situações, de várias viagens e pessoas. O pudim de queijo que a mãe de um
grande amigo fazia, e que ela servia ainda quente; o cuscuz da minha avó, com
seu aroma de erva-doce e infância; o calor suculento de um prato de massa
fresca com polpettine al sugo; o
cheiro da comida do Sawasdee, aventuras gastronômicas de férias em Búzios; moules à la marinière no fim da tarde em
Paris; a sensação que o perfume reconfortante da canjiquinha, meu prato
predileto, causa em mim; o aroma da pizza, qualquer pizza, todas as pizzas...
No meio do capítulo, Brillat-Savarin escreve:
“De minha parte, estou não apenas convencido de que, sem a participação do
olfato, não há degustação completa, como também sou tentado a supor que o
olfato e o gosto formam um único sentido, do qual a boca é o laboratório e o
nariz a chaminé...”
Se o autor tivesse vivido em dias mais
atuais, teria se referido ao nariz não como uma chaminé, mas como um poderoso
sensor, capaz de detectar uma infinidade de aromas e catalogar referências
claras para cada um deles. Tente você. Abra sua biblioteca olfativa
gastronômica e surpreenda seus sentidos e seus sentimentos.
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