quarta-feira, 19 de junho de 2013

Memórias olfativas gastronômicas

Estou relendo A fisiologia do gosto, uma verdadeira certidão de nascimento da gastronomia, publicada no início do século 19 e escrita, com muita habilidade e bom senso, por Brillat-Savarin, um juiz francês apaixonado pelos prazeres da mesa. Deparei-me com um capítulo denominado Influência do olfato sobre o gosto e fiquei divagando sobre sua importância, mais que sua influência, e cheguei à conclusão que a expressão “comer com os olhos” seria tão ou mais apropriada, apesar de menos poética, se fosse “comer com o nariz”.
Imediatamente abri a minha biblioteca olfativa e revivi, quase nitidamente, cheiros de vários tempos da minha vida. Lembrei-me do cheiro das rosquinhas de nata que minha mãe fazia, que enchia a cozinha com seu perfume quente, predizendo seu sabor. Mesmo depois que abríamos a lata em que ficavam guardadas na prateleira da cozinha – a uma altura em que nós, crianças, tínhamos acesso (nunca pensei, até agora, se isto era proposital) –, o aroma que saia dela trazia uma sensação de conforto, de segurança, de lar.
Revivi pratos e comidas de várias épocas e situações, de várias viagens e pessoas. O pudim de queijo que a mãe de um grande amigo fazia, e que ela servia ainda quente; o cuscuz da minha avó, com seu aroma de erva-doce e infância; o calor suculento de um prato de massa fresca com polpettine al sugo; o cheiro da comida do Sawasdee, aventuras gastronômicas de férias em Búzios; moules à la marinière no fim da tarde em Paris; a sensação que o perfume reconfortante da canjiquinha, meu prato predileto, causa em mim; o aroma da pizza, qualquer pizza, todas as pizzas...
No meio do capítulo, Brillat-Savarin escreve: “De minha parte, estou não apenas convencido de que, sem a participação do olfato, não há degustação completa, como também sou tentado a supor que o olfato e o gosto formam um único sentido, do qual a boca é o laboratório e o nariz a chaminé...”
Se o autor tivesse vivido em dias mais atuais, teria se referido ao nariz não como uma chaminé, mas como um poderoso sensor, capaz de detectar uma infinidade de aromas e catalogar referências claras para cada um deles. Tente você. Abra sua biblioteca olfativa gastronômica e surpreenda seus sentidos e seus sentimentos.

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